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Confessarei finalmente que ambos os escriptos são excellentes subsidios para o ramo de Litteratura de que se trata; e que, nesta parte, estamos em bom caminho de progresso.

CAPITULO VIII.

DE DIVERSOS TRABALHOS PHILOLOgicos sobre A LINGUA PORTUGUEZA.

«La philologie est l'anatomie des langues..... elle scrute les idiomes humains, elle en démontre les ressorts, en décrit les procédés.

«L'homme parle, parce qu'il pense; il pense, parce qu'il est homme; la parole est la condition terrestre de la pensée, et il est puéril de les séparer.-La philologie a donc une mission sociale et n'est inférieure à aucune des sciences humaines.>>

Assim se exprime M. Lerminier no seu curioso Livro-Aude là du Rhin, definindo perfeitamente a philologia, explicando a sua missão, e fazendo sentir o alcance e a elevação desta scien

cia. Reuniremos neste Capitulo os diversos escriptos sobre a Lingua Portugueza, que reputamos puramente philologicos.

ADAGIOS PORTUGUEZES, REDUZIDOS A LUGARES COMMUNS -pelo Licenciado Antonio Delicado. 1651.

«Os adagios, diz Delicado, são as mais approvadas sentenças, que a experiencia achou nas acções humanas, ditas em breves, e elegantes palavras. Comprehende esta doutrina nam só as cousas moraes, mas todas as artes, e sciencias, e por isso em as mais das naçoens procuraram authores graves pôlas em memoria, e escrever dellas..... Pello que vendo eu, que sendo a lingua Portugueza não menos abundante destas sentenças, que todas as outras da Europa, me dispuz a colligir de varios exemplos esta pequena obra. Bem sei que pudéra ser o numero muito mayor, mas eu escolhi somente aquelles, que pera a decencia, e utilidade publica me parecêrão mais approvados.»

He claro que citamos esta obra debaixo do ponto de vista philologico, e como elemento de estudo da lingua.

-METAPHORAS, OU FEIRA DOS ANEXINS-seu Author Dom Francisco Manoel de Mello. (Obra inedita).

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«Livro curioso, diz o Sr. Alexandre Herculano, em que estão lançadas methodicamente as metaphoras, e locuções populares da lingua portugueza, e que seria quasi um manual para os escriptores dramaticos, principalmente do genero comico, que quizessem fazer fallar as suas personagens com fraze conveniente e com as graças e toque proprio da nossa lingua portugueza, e do verdadeiro estilo dramatico.»>=

Para que os Leitores, que não tiverem conhecimento da Feira dos Anexins, possão fazer idéa aproximada desta curiosa producção de D. Francisco Manoel, lançarei aqui alguns trechos dessa curiosa obra:

«Homem, o entendimento nam he fazenda, que ande em «cabeça de morgado; quem não tem cabeça sempre hé mais ca«beçudo.

<«<Nam repara em cabeçadas.

«Dizem despropositos, e quebram-nos as cabeças com se me«terem na cabeceira do rol dos discretos.>>==

«Eu aqui estou com os braços crusados, pois tenho bra<«<cejado bastantemente; por nam dar o meu braço a torcer, e «vocês me atam os braços com o empenho: venham quantas me<«<táphoras vierem, todas aceito com os braços abertos.

«O que se póde recear sam abraços de frade.

«Temos pulha me fecit: elle nam poderia valerse do braço «secular.»=

=«Vá de metáphora de maons, que lhe heide agora pór as «maons, e a boa vontade.

«vras

«O senhor, se lhe dam o pé, toma a mam.

<«<Muitas vezes deve huma pessoa dar de mam a certas pala

«Agora metidas as maons na maça, não tem remedio: ham «de se encher maons de papel, mas que seja o que fôr.

«Olhe o manáças botando as maons de fora na valentia: «mela a mam no ceyo, que nem tudo o que diz são discrições; «tambem manqueja muy bem.

«Senhores, com as maons erguidas lhes peço, não brinque

amos de maons, que ás vezes das maons escapa huma, que he <«<bofetada sem mam, e a pedra tanto que vay fora da mam, nam atem remedio.»>=

«Em metaphora de Estomago. Confesso-lhes que já estou «bem estomagado.

<«<>Pois a mim com pouco se me embrulha o estomago, e si«milhantes chascos, nam me fazem bom cozimento a elle.»=

=«Eu cá estou com hum pé no ar, como grou, ouvindo-os «a vocês gabar-se, porem não quero dizer nada, que ainda não «pondo o pé faço pegada.

«Nam digo eu! Debaixo dos pés se levantam os callos; heide «arrimar os pés á parede a nam dizer nada.

«Ora diga, meu S.o, se o offendi, aqui me tem a seus pés.»=

«Que he isso lá com a Noz? falláram a esta palavra as «Nozes. Nós he cousa atada, disseram as Bolotas. Pois nam, <tornáram as Nozes, nada de atadas temos; antes por muy de<«<senvoltas a todos nos mostramos. Isso he por serem quentes, <<replicáram as Bolotas: nam somos nós assim, quem quizer bo«lota, que trépe: nam somos tão faceis, quer huas, quer outras. «Valha-as hùa figa, disseram nesta occassiam os Figos, tem tanto «<juizo ambas como huma avelãa. Quem os mette cá com as fru«ctas seccas? perguntáram as Tamaras. Porque, respondéram <«<elles, vossês nunca viram presentes de figos passados, que vem «do Algarve? Alguns de vossês levam-nos as lampas em tempo «de figos? Nem ainda as fructas verdes pola vindima, pois che«gou o texto das velhas, que quando ha figos, nam ha ami«gos.»>=

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Folgaria muito de proseguir nas interessantes citações; mas o meu intento foi unicamente dar uma amostra da natureza da Obra-ás pessoas que ainda a não podérão haver á mão.

1 Panor. 1840. pag. 296.

2 Os Leitores que não podérem haver á mão a Feira dos Anexins, devem recorrer a uma obra de João Baptista de Castro, que tem por titulo: Hora de Recreyo nas ferias de mayores estudos, e oppressão de mayores cuidados. Lisboa 1750. Ahi encontrarão alguns extractos, se bem que em limitado número.

-PRIMEIRA PARTE DAS FRASES PORTUGUEZAS, A QUE CORRESPONDEM AS MAIS PURAS E ELEGANTES LATINAS.

SEGUNDA PARTE DOS PRINCIPAES ADAGIOS PORTUGUEZES,

COM SEU LATIM PROVERBIAL CORRESPONDENTE.

Vem no fim da Prosodia de Bento Pereira. Liso boa-1661. 1674.

-No fim do Diccionario Exegetico, publicado em 1781, vem uma collecção de adagios, proprios do idioma portuguez. O author anonymo do Diccionario considera os adagios, como as joias mais preciosas, que enriquecem, e fazem mais brilhante o Thesouro da Lingua,

Daremos noticia mais circumstanciada do Diccionario Exegetico no fim deste Capitulo.

Adagios, Proverbios, Rifãos e Anexins da Lingua PorTUGUEZA. TIRADOS DOS MELHORES AUTHORES NACIONAES, E RECOPILADOS POR ORDEM ALFABETICA. -Por F. R. J. L. E. L. -Lisboa 1780.

Com esta epigraphe: La sagesse, et la prudence de chaque Nation consiste en ses Proverbes.

O author desta collecção de Proverbios diz no Prologo: «Tra<<balhei por mendigar da Antiguidade quantos pude achar; a «maior parte delles são extrahidos do Vocabulario Portuguez de «D. Rafael Bluteau.-Nelles achão-se algumas palavras já, ha «longos annos, arredadas de nós; mas esta mesma antiguidade «faz respeitar, e venerar a singeleza daquelles antigos tempos; «e conhece-se tambem qual era o modo de fallar vulgar dos se«culos anteriores a este.

ANTIDOTO DA LIngua PortuguezA—por Antonio de Mello da Fonseca. Amsterdão. 1710.

Tres são os assumptos de que o author se occupa na sua obra:

=«<He a primeira dissertação sobre a bondade egregia da nossa Lingua, e sobre a grande utilidade, que ella tem recebido das palavras Latinas já nella introduzidas, e consequentemente recebe da introducção continuada de outras, que do Latim recente e justamente usurpamos para a enriquecer e ornar.»>=

«He a segunda dissertação sobre a grande variedade de

ornamentos, concinnidades, e excellencias, que deve ter huma Lingua, para que rectamente lhe possamos chamar perfeita.»>—

«He finalmente a terceira e ultima dissertação hum panegirico sobre a sublimidade notavel do ingenho singular do nosso Camões, e sobre a eminencia gloriosissima, com que admiravelmente venceu todas as excellencias sempre admiradas na celeberrima poesia do famosissimo Torquato Tasso. »=

Ha nesta obra uma consideravel riqueza de instrucção philologica; mas ha tambem nella muitas asserções e doutrina exageradas e insustentaveis. O author quer, por exemplo, enriquecer a nossa lingua, a todo custo, com os despojos da latina; mas o caso he, que elle proprio, sem o querer, refuta as suas demasiadas exigencias. Vejamos uma pequena amostra do Antidoto, e assim formaremos idéa do barbarismo a que chegaria o idioma portuguez, se se adoptasse a opinião do author: «Se eu soubesse (diz elle algures), com a clareza e elegancia dignas da gravidade deste importante assumpto, enuclear, e enodar as difficuldades, dilucidar e propulsar os errores, etc. etc. »>= Que algaravia!

O author quer tambem acabar, a todo trance, com o diphtongo ão na lingua portugueza, quando aliás devêra limitar-se a recommendar o uso moderado e discreto daquella desinencia nasal. E he igualmente notavel que elle proprio apresente argumentos, que demonstrão o absurdo de uma condemnação, a tal ponto generica e absoluta! Cita elle, entre outros, o admiravel e bem conhecido trecho de Vieira: Abalar-se-hão os montes, retumbarão os valles, affundar-se-hão athé aos abismos os mares, descobrir-se-ha o centro da terra, e apparecerão revoltos os fundamentos do mundo. E com effeito, o author do Antidoto, elle mesmo, reconhece que neste logar faz um optimo effeito a repetição do som nasal, e como que augmenta o terror da imaginosa pintura do temeroso quadro.—¿ Para que he pois querer que á palavra «podridão» se substitua putrédine; a «cerração»—caligine; a «sequidão»—siccidade; a «soffreguidão»avididade, etc. etc.?

Pondo, porém, de parte este e outros senões, he força confessar que ha nesta obra muito que aprender, muito que aproveitar.

He muito curioso o que diz o Cavalheiro d'Oliveira (Memoires historiques, concernant le Portugal) relativamente ao author desta Obra.

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